Conto - A casa das Oliveiras

Você já deve ter visto milhares de tipos de casas diferentes... Essa que vou contar não era lá grande coisa, se situava nos arredores de Mendonza, uma cidade argentina. Era cercada de oliveiras, árvores lindas que dão origem a azeitona e seu delicioso azeite. Mas enfim, a casa era pintada de rosa claro, com detalhes em branco cheio de lambrequins acima das janelas de madeira.
Aparentava, acho eu, ser de alguém muito bom, cuidadoso e delicado. Uma moça, talvez. Porém a casa sempre estava fechada. Era muito estranho, pois estava sempre tão bem cuidada, com as janelas limpas e o jardim em ordem.
Um dia, fiquei com tanta, mas tanta curiosidade, que não aguentei e fui dar uma espiadela na casa, à noite. Minha casa não era muito longe e não demorei muito para chegar ao meu destino.
Quando parei em frente a porta da casa, senti  um calafrio na barriga. Parei. Olhei bem e decidi, sem ter alguma outra ideia, apertar a campainha. “Dlin, dlón!” esperei. Ninguém atendeu e apertei de novo: “dlin, dlón!” e nada aconteceu. Quando ia apertar a terceira vez, quase sem esperanças, eu ouvi: “Quem é?...” era uma voz rouca, parecendo de velha. Senti um calafrio no corpo dos pés a cabeça e respondi improvisando: “Ah!... Sou uma viajante e estou perdida!” “O que quer?...” a voz perguntou novamente. Respondi: “Só quero algumas informações, por favor!” “Hummm... Está bem, só que vou te dar as tais informações do lado de dentro!” “Como quiser...” respondi um tanto desanimada. Então perguntei algumas coisas improvisadas que uma pessoa perdida perguntaria e me despedi dando um: “É só isso, muito obrigada!”, mas não houve resposta.
Frustrada, voltei para minha casa por um caminho alternativo, para que ninguém desconfiasse...
Passei meses sem ir a tal casa, mas um dia me deu a mesma curiosidade de antes, até um pouco maior. Achei que fosse uma loucura, já que da primeira vez nada deu certo. Porém fui tentar mais uma vez.
No mesmo horário que da última vez, mais ou menos umas dez horas da noite. Dessa vez, quando cheguei à porta da casa, me deu um calafrio ainda maior, pois agora eu não ia simplesmente tocar a campainha, mas tentar ver ou invadir sorrateiramente a casa.
Claro que vocês nunca devem invadir uma casa por uma coisa tão banal e indiferente como a curiosidade, porém, dessa segunda vez que eu tive esta extrema curiosidade de ir à casa; uma coisa aconteceu. Vocês vão achar ridículo, é claro, mas me deu um pequeno formigamento nos dedos do indicador e do dedinho da minha mão esquerda e sempre quando isso acontece, quer dizer que alguma coisa de diferente e inusitado irá ocorrer relacionada com alguma coisa que já vi ou que me deixou com curiosidade.
Tentei dar a volta na casa, mas a parte de trás e um tanto dos lados era escondido por uma área de plantas e oliveiras (como já havia dito no começo). Voltei à porta, e decidi que teria de me embrenhar entre as árvores para ver se tinha alguma janela aberta para eu espiar ou entrar na casa. Todas as janelas estavam fechadas, mas não trancadas. Eu, já prevenida para quaisquer imprevistos como este, peguei um barbante do meu bolso e engatei nas duas partes da janela para abri-las, sem fazer muito barulho, só um leve “tlec!” e um não muito silencioso “crééé...” a janela se abriu e revelou uma casa escura, sem muitas decorações, mas bem grande, que dava para enxergar de longe, um quarto com uma vela acesa. A casa estava silenciosa... Me deu mais um calafrio no corpo e um formigamento nos dois dedos da mão esquerda, mas mesmo assim não desisti. A janela era baixa e assim deu facilmente para eu pular e entrar na casa. Agora eu estava com mais medo do que nunca “E se essa não for a coisa que meu formigamento avisou, e se for só uma velhinha tímida e inocente que limpa a casa de madrugada e assim ninguém a vê?” pensei nervosamente. Então, juntei coragem e fui silenciosamente em direção ao quarto iluminado. Quando cheguei do lado da porta, espiei e lá estava ela, uma velha feia e com vestimentas estranhas, sentada na frente da vela, parecendo meditar, mas às vezes sibilava algumas palavras que não consegui identificar. Do lado da vela havia dois ramos de oliveira. Estremeci. Voltei o mais rápido possível e o mais silenciosamente que pude até a janela e a pulei. Voltei quase correndo para casa. Fiz isso por uma semana e concluí que ela era uma velha estranha, com roupas estranhas, que fazia rituais estranhos com ramos de oliveira. Não era suficiente. Tinha que saber mais. Precisava ir até a casa e fazê-la falar, de algum modo, quem era, o que fazia, por que e para quê fazia.
Pensei, pensei, pensei. Não achei um modo melhor do que ir lá de novo e perguntar a ela todas essas coisas, primeiro de um modo mais gentil e carinhoso, mas se ela não responder, perguntarei de um modo mais “agressivo”.
No dia seguinte, fui à casa da velha e bati a porta. Esperei. Toquei a campainha, de novo, esperei. Até que ouvi aquela voz familiar perguntando: “Quem é?...” e respondi sem pestanejar: “Sou uma pessoa que precisa saber quem é você!” “E para quê?...” “Bem, primeiramente gostaria de conhecê-la, já que venho reparando que sua bela casa está sempre fechada, mas sempre muito arrumada, porém parecendo que nunca tem ninguém...” respondi, sendo mais direta. E antes que ela pudesse dizer qualquer coisa completei: “Ah! e gostaria muito de ver seu rosto...” Não houve resposta, então tentei: “Então... senhora... pode abrir a porta pra mim?” “Não posso!” gritou ela, eu me assustei, mas provoquei: “Por quê?! A senhora é uma bruxa, por acaso, que faz rituais o dia inteiro e por isso tem que se esconder? Hahaha!” “Aaaahhh!!!!” berrou ela. Nesse momento fiquei com medo, tive vontade de correr, mas meu corpo paralisou. “Como!!!!” gritou “Como você!...” repetiu ela, e de tanta raiva, abriu a porta com força, a qual tive de me esquivar, para não ser atingida pela mesma.
Quando vi seu rosto, que aparentava ter uns cem anos, me lembrei imediatamente de gravuras e ilustrações da bruxa Asema, que habitava a América do Sul. Asema tinha dentes caninos sobressalentes como de vampiro, de dia saía para trabalhar voluntariamente e à noite atacava e tirava a vida das pessoas. Porém, a velha tinha algumas diferenças: Não saía durante o dia nem durante a noite, mas tinha os mesmos dentes e o mesmo estilo de roupa que Asema usava.
Então me atrevi de novo: “Quem é você!” e a velha respondeu ferozmente: “Sou filha de Asemaaa!!! E agora estou pronta para usar meus poderes!” Então, em um veloz movimento saquei um cacho de alhos e o crucifixo em meu pescoço. Enquanto me protegia da morte disse: “Asema não teve filhos!” “Quando minha mãe foi matar uma mulher grávida, não matou seu bebê, eu! E como eu também tinha sido atingida, fiquei com algumas de suas características! Os dentes, o rosto, mas nem todo o seu poder! E assim, até hoje me preparo para chegar ao seu estágio! Me ligo a ela com ramos de oliveira, que contém muita energia! Agora, chega de papo furado! Vou acabar com você!” gritou ela e depois deu uma gargalhada perversa que só as bruxas ou as pessoas realmente más são capazes de fazer.
Quando ela estava prestes a me tirar a vida, me lancei contra as moitas e corri pela pequena floresta quebrando todos os galhos de oliveira que encontrava pela frente, enfraquecendo pouco a pouco a primogênita de Asema. Rodei sem parar o bosque até quebrar quase todos os galhos das pequenas oliveiras, quando vi que a velha estava muito cansada parei e ameacei: “Se não parar, vou matá-la!” exclamei confiante. “Como?” perguntou. “Cortando aquela grande oliveira que tem um tronco tenro e feio, ótimo para virar fogueira!” “Não!!!!” gritou ela. “Vou perder todos os meus poderes e assim virar pó! Pois estou agora com 1.300 anos!! Mas não vai fazer isso, pois ainda tenho força!” “Ah é?!” falei e corri para dentro da casa, passei pela sala, um corredor e três quartos até chegar ao cômodo onde a velha fazia suas “meditações”. Peguei uma faca que tinha trazido e cortei a vela, os ramos oliveira e parti ao meio um tipo de espelho ou prato que ela usava para se comunicar. Vi que quando fiz isso a velha caiu no chão, e prossegui correndo até a cozinha, chegando lá encontrei vários frascos com diversas coisas dentro. Não perdi tempo e joguei tudo no chão, quebrando-os. Abri o armário e abri um grande frasco de vidro que continha um líquido, peguei-o e derramei todo o conteúdo na pia.
Quando encontrei a velha, ela estava no chão, esparramada. Eu olhei para ela e disse: “Olhe o seu estado! É deplorável! Sua mãe nunca ficaria assim!” “É, mas ainda não desisti!” disse ela, e eu repeti: “Ah é?...” Então, corri para o quintal, peguei a faca de novo e fui dando pequenos, mas preciosos cortes em cada árvore de oliveira, que foram se contorcendo, ficando cada vez mais horríveis e mais velhas como a bruxa, quase derrotada. Como vi que a bruxa ainda não estava morta, pensei: “Devo cortar o mal pela raiz!” Peguei minha faca e fui cortando rapidamente as raízes de todas as árvores, que foram caindo, e quando passava perto da bruxa ela gemia de dor. Fiquei até com um pouco de pena da bruxa e pensei que ela poderia ter sido alguém melhor, mas não desisti de matá-la, porque se não ela ia começar a fazer maldades ainda maiores que a da mãe... Então cortei rapidamente a última oliveira e ouvi um grito. O doloroso grito de morte da bruxa. Fui correndo ao seu encontro e vi seu vago olhar e seu último suspiro. Senti em seu olhar que ela pensava como podia ter sido alguém melhor, vivendo num campo, com um belo e querido homem ao seu lado, talvez. Momentos depois, como a bruxa mesma já havia dito, ela virou pó e tudo que era dela também: a casa, as oliveiras, as plantas, tudo. Só restou o terreno pedregoso e desértico de onde casa havia sido feita.

Depois do acontecido, como vocês já devem imaginar, toda a Argentina ficou intrigada com o desaparecimento da “casa enfeitiçada” nome de como era chamado (corretamente) o caso da pacata casinha nos arredores de Mendonza.

                                        Laura Pessoa - 03/04/2013



Imagem: Washington Takeuchi -http://www.circulandoporcuritiba.com.br/2013/11/uma-casa-seus-lambrequins-e-sua-dona.html 

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